Produção Científica
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Item INQUIETAÇÕES PANDÊMICAS: VIVÊNCIAS EM TEMPOS DE CORONAVIRUS(Grupo Hospitalar Conceição, 2020-05-15) Rodrigues, Elisandro; Castilhos, Thaiani Farias deParecia um filme, daqueles bem apocalípticos, ruas vazias, silenciadas à força, nos poucos que circulavam, percebia-seapenas um olhar solidário, como se dissesse “te cuida aí”, nos prédios, quem nunca se via, passa a se espiar pela sacada, teu olhar flor na janela me faz morrer, medo, medo de tocar, de respirar, acordar com medo, dormir com angústia, chegar em casa, correr pra televisão e acompanhar os números epidemiológicos, cada vez mais mortes, possível falta de acesso a equipamentos de proteção, como atenderemos aos pacientes sem proteção? podemos? devemos? muitas informações desencontradas, contraditórias, usar máscara sempre, não usar, escudo de proteção, fiasco, necessidade? hospitais cheios, de gente, gente com medo, gente que quase esquecia que era gente quando, no supermercado, corria para estocar tudo o que fosse possível, muito papel higiênico, vai entender, um bicho solto, um cão sem dono, e se faltarem leitos? e se faltarem respiradores? quem vai escolher quem vive e quem morre? pobres, ricos, tão iguais e as pessoas, que saudade de ser sem medo, isolados, nunca sentiu-se tanta saudade da rua, do sol, do vento no rosto sem compromisso, como todo filme apocalíptico, alguns heróis tentando sobreviver, a que custo? ser herói ficou tão difícil, pesado, nada romântico, meu desejo se confunde com a vontade de não ser, heróis caindo, sendo banidos, cada um que caía derrubava junto a esperança de que tudo fosse passar logo, todo dia um dilema ético, uma decisão que parecia ser vital, ver, não ver, encontrar, isolar, ficar, sair, chorar, choro que encharca a máscara, fura barreiras, às vezes me preservo, noutras suicido, cada vez mais gente na rua por falta de casa, discursos perversos que tiraram o ar mais que qualquer vírus, sufocamento coletivo, sufocamento das potências, dos afetos, das vontades, das vidas, oh, sim, eu estou tão cansado, ao mesmo tempo todos os pequenos carinhos ganham tanto espaço no corpo, tão marcantes, na pele, na alma, agradecer, quando vai acabar? vai acabar? a minha pele tem o fogo do juízo final... É no meio disso, sem ponto final e quase sem espaço pra respirar, que surgem potências criativas. Este livro reúne fragmentos dessa vida pandêmica, desse novo modo ser, estar, viver isolado-coletivamente. A Residência Multiprofissional em Saúde do Grupo Hospitalar Conceição quer, através desse registro-marca, deixar inscritas as vivências dos residentes, preceptores e orientadores nesses mais de 10 meses de pandemia de Coronavírus. Em meio a tantos sufocamentos, compartilhar os sentimentos e as criações possíveis no campo da saúde desde a perspectiva da formação em serviço é uma grande vitória, marcando a importância da formação no, para e pelo SUS. A reinvenção cotidiana que a pandemia instituiu fica aqui registrada como forma de dar vazão a tantas vivências e de marcar um legado futuro. Convidamos todos e todas para uma pausa na vida pandêmica, tomando um fôlego para conhecer um pouco mais das experiências-construções produzidas pelo nosso time. tão diferentes, como sempre, ando tão à flor da pele, pele, logo ela, tão perigosa, tão evitada, que saudade de abraçar.